Vivemos um momento de intensa transformação no campo da saúde, impulsionado pelo avanço de tecnologias digitais como inteligência artificial, impressão 3D, realidade aumentada, teleodontologia e softwares de apoio ao diagnóstico e à gestão clínica. Na odontologia, esses recursos têm o potencial de otimizar processos, melhorar a precisão dos tratamentos e ampliar o acesso ao cuidado odontológico. Diante desse cenário, é pertinente questionar: estamos preparados, enquanto profissionais e instituições de ensino, para incorporar plenamente essa revolução digital?

Embora avanços importantes já estejam sendo observados, especialmente em clínicas privadas e centros de excelência, a adoção ampla e sistemática das tecnologias digitais ainda enfrenta desafios. Muitos cursos de graduação e pós-graduação mantêm currículos centrados em metodologias tradicionais, com baixa integração de ferramentas digitais no ensino prático e teórico. Essa defasagem pode comprometer a formação de profissionais alinhados às demandas contemporâneas da profissão.

Entre os principais fatores que contribuem para essa lacuna, destacam-se a necessidade de capacitação docente em novas tecnologias, a limitação de recursos financeiros para aquisição de equipamentos e a ausência de diretrizes curriculares mais atualizadas. Além disso, é compreensível que haja certa cautela na adoção de tecnologias cuja aplicabilidade clínica ainda está em consolidação. No entanto, essa cautela deve vir acompanhada de uma postura proativa de atualização e busca por evidências científicas que sustentem a inovação com responsabilidade.

Felizmente, já se observam iniciativas promissoras no Brasil e no exterior. Algumas instituições têm investido em centros de simulação digital, disciplinas eletivas voltadas à odontologia digital, e parcerias com startups e empresas do setor. Essa aproximação entre academia, mercado e tecnologia é fundamental para promover uma formação mais completa e sintonizada com o futuro da profissão.

A revolução digital na odontologia não é uma previsão distante — ela já está em curso. Cabe à comunidade acadêmica refletir sobre seu papel nesse processo: atuar como protagonista da transformação ou reagir a ela de forma tardia. A atualização dos currículos, a formação continuada de professores e a promoção da pesquisa aplicada em tecnologias digitais são caminhos estratégicos para garantir que a odontologia continue evoluindo de maneira ética, científica e inovadora.

Além disso, é necessário repensar o papel do cirurgião-dentista diante dessa nova realidade. As habilidades técnicas continuam sendo fundamentais, mas passam a coexistir com competências digitais, analíticas e de gestão de dados. O profissional do futuro precisará interpretar informações geradas por algoritmos, integrar prontuários digitais em seu fluxo de trabalho, utilizar softwares de planejamento reverso e compreender os limites éticos do uso de inteligência artificial no cuidado ao paciente.

Outro ponto essencial é a democratização do acesso a essas tecnologias. Se por um lado grandes centros e clínicas de alto padrão já utilizam escaneamento intraoral, impressão 3D de próteses e plataformas de diagnóstico auxiliado por IA, por outro, muitas regiões do país ainda enfrentam dificuldades básicas de infraestrutura. Essa disparidade pode aprofundar desigualdades no cuidado odontológico, tornando ainda mais urgente o debate sobre políticas públicas de incentivo à inovação acessível e ao fortalecimento da teleodontologia no SUS.

Também não se pode ignorar a importância da regulamentação. À medida que novos dispositivos, softwares e soluções digitais são incorporados à prática odontológica, cresce a necessidade de marcos regulatórios claros, atualizados e baseados em evidências. O papel das entidades de classe, dos conselhos profissionais e das agências reguladoras é central para garantir que a inovação ocorra com segurança e dentro de parâmetros éticos bem definidos.

Nesse contexto, os estudantes e jovens profissionais têm papel de protagonismo. Eles já nasceram em um mundo digital, têm maior familiaridade com ferramentas tecnológicas e podem atuar como catalisadores da transformação dentro das instituições. Estímulos a iniciativas de inovação, ligas acadêmicas, projetos interdisciplinares e hackathons em odontologia digital podem ser estratégias poderosas para fomentar o protagonismo estudantil e aproximar teoria e prática.

Por fim, é urgente promover uma mudança cultural. Inovação não se resume à adoção de equipamentos de última geração, mas sim a uma mentalidade aberta ao novo, crítica em relação ao uso da tecnologia e comprometida com a qualidade do cuidado. É tempo de formar dentistas não apenas habilidosos, mas também visionários, capazes de navegar pelas incertezas do futuro com ética, curiosidade e preparo técnico. O futuro da odontologia será digital — mas, mais do que isso, será humano, se soubermos integrar inovação e propósito.