SAÚDEODONTOLOGIA

Estomatologia em silêncio: Por que ainda falamos pouco sobre saúde bucal sistêmica?

Pedro Cardoso
Pedro Cardoso31/07/2025
Estomatologia em silêncio: Por que ainda falamos pouco sobre saúde bucal sistêmica?

Apesar de sua relevância clínica e científica, a estomatologia ainda ocupa um espaço tímido nas discussões sobre os rumos da odontologia contemporânea. Em muitas faculdades, sua presença curricular é reduzida; nos congressos, raramente ganha o protagonismo que merece; e na prática profissional, muitos dentistas se sentem despreparados para lidar com lesões orais complexas ou manifestações sistêmicas na cavidade bucal. O silêncio em torno da estomatologia não é apenas simbólico — ele é estrutural. E isso tem impactos reais no diagnóstico, no tratamento e na vida dos pacientes.

A estomatologia é a especialidade que mais conecta a odontologia à saúde. É ela que nos lembra que a boca não está isolada do corpo — pelo contrário, é muitas vezes o primeiro local onde se manifestam doenças infecciosas, autoimunes, hematológicas e oncológicas. É na mucosa bucal que vemos os primeiros sinais do HIV, da anemia, do lúpus, do líquen plano, de deficiências nutricionais, da sífilis e, em muitos casos, de neoplasias malignas. Ainda assim, muitos profissionais negligenciam sinais precoces ou, pior, referenciam tardiamente, contribuindo para diagnósticos em estágios avançados.

Parte desse problema está na formação. Em muitos cursos de odontologia, o ensino da estomatologia é teórico, fragmentado e descolado da realidade clínica. Os alunos decoram nomes de lesões, mas raramente compreendem sua relação com o estado sistêmico do paciente. Poucos aprendem a conduzir uma anamnese aprofundada, solicitar exames laboratoriais pertinentes ou realizar encaminhamentos adequados. Quando esse profissional entra no mercado, sente-se inseguro diante de situações que exigem uma visão interdisciplinar e diagnóstica mais apurada — exatamente o campo de excelência da estomatologia.

Outro ponto crítico é a baixa visibilidade institucional da especialidade. Em comparação com áreas como implantodontia, ortodontia ou harmonização orofacial, a estomatologia movimenta menos mercado e atrai menos holofotes. Mas isso não significa que seu impacto seja menor — muito pelo contrário. Ao negligenciarmos a estomatologia, estamos contribuindo para o atraso no diagnóstico de cânceres de boca, o aumento do sofrimento dos pacientes com doenças autoimunes orais e a perpetuação de um modelo biomédico fragmentado e centrado apenas no sintoma.

É urgente mudar esse cenário. Precisamos repensar o lugar da estomatologia dentro dos currículos, incentivar pesquisas aplicadas na área, ampliar sua inserção nos serviços públicos e privados, e investir na capacitação continuada dos profissionais clínicos. Além disso, é fundamental promover o diálogo entre estomatologistas, médicos, patologistas orais e demais especialidades da saúde. O desafio é cultural, estrutural e político — mas começa com uma simples decisão: tirar a estomatologia do silêncio.

Falar sobre saúde bucal sistêmica não é uma escolha teórica — é um imperativo ético. Dar voz à estomatologia é reconhecer que a boca é parte inseparável do corpo e da vida. E que cuidar dela exige mais do que técnica: exige visão integrada, formação sólida e um compromisso real com o diagnóstico precoce e o cuidado integral.

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