Na lógica do Sistema Único de Saúde (SUS), a Atenção Primária à Saúde (APS) não é apenas a porta de entrada preferencial dos usuários, mas a espinha dorsal de um modelo que visa à integralidade, equidade e resolutividade dos cuidados em saúde. Dentro dessa estrutura, o dentista exerce um papel que vai muito além da cavidade bucal — e sua presença nas Unidades Básicas de Saúde (UBS) e na Estratégia Saúde da Família (ESF) é essencial, ainda que, muitas vezes, subestimada.

Mais do que extrações e restaurações: um agente de saúde integral

A atuação do cirurgião-dentista na APS transcende os procedimentos clínicos tradicionais. Ele é agente ativo na promoção de saúde, prevenção de doenças crônicas não transmissíveis e identificação precoce de agravos sistêmicos com manifestações bucais. A relação entre saúde bucal e condições como diabetes, doenças cardiovasculares e câncer, por exemplo, já é amplamente documentada.
Além disso, o dentista é peça-chave na articulação com equipes multiprofissionais, na construção de vínculos comunitários e na educação em saúde, especialmente em territórios vulneráveis.

Impactos diretos na gestão pública: dados que não podem ser ignorados

Dados do Ministério da Saúde e da Organização Pan-Americana de Saúde (OPAS) apontam que:
A cada R$ 1 investido em prevenção em saúde bucal na APS, economiza-se cerca de R$ 4 a R$ 7 em tratamentos especializados e hospitalares.
Municípios com maior cobertura de ESF com equipes de saúde bucal apresentam redução de até 60% nas internações por causas sensíveis à atenção primária, como abscessos odontogênicos e infecções de face.
Segundo estudo da Fiocruz (2022), a presença de dentistas em equipes da ESF está associada a melhor desempenho nos indicadores de saúde infantil e controle de doenças crônicas em áreas vulneráveis.
Do ponto de vista de gestão, a odontologia na APS também desafoga os níveis secundário e terciário, reduz filas de espera, evita encaminhamentos desnecessários e melhora o custo-efetividade do sistema.

Desafios e caminhos possíveis

Apesar dos benefícios evidentes, há subfinanciamento, defasagem de recursos humanos e baixa priorização da saúde bucal em muitas agendas municipais. Muitos dentistas enfrentam estruturas precárias, carga excessiva de atendimentos e ausência de protocolos clínicos bem definidos na APS.
Para superar esses entraves, é urgente:
Valorizar a saúde bucal como parte integrante da saúde geral.
Investir em capacitação e infraestrutura para as equipes odontológicas nas UBS.
Reforçar o papel do dentista nos processos de gestão, planejamento territorial e avaliação de saúde.
Fortalecer a integração ensino-serviço, ampliando a formação com foco na APS e nas necessidades reais da população.

O futuro da odontologia pública passa pela base

É na Atenção Primária que se constrói um SUS mais justo, mais eficiente e mais humano — e a odontologia tem papel essencial nesse processo. Dentistas bem posicionados nas UBS e ESF não apenas tratam dentes: transformam realidades, fortalecem territórios e promovem cidadania.
Em tempos de restrições orçamentárias e aumento das doenças crônicas, não há escolha mais inteligente — nem mais ética — do que investir na presença qualificada de dentistas na atenção primária. O que precisamos agora é garantir que esse protagonismo saia do discurso e ocupe, de fato, seu espaço nas políticas públicas e na gestão em saúde.