Em procedimentos orofaciais de maior complexidade — como biópsias extensas, remoções múltiplas, cirurgias ortognáticas ou reconstrutivas — a responsabilidade do cirurgião-dentista vai além do ato técnico. A forma como as orientações pós-operatórias são transmitidas, registradas e reforçadas tem impacto direto na recuperação do paciente e na segurança jurídica do profissional.

1. Comunicação clara: fator clínico e legal
A comunicação não pode ser considerada um aspecto acessório da prática odontológica.
Uma comunicação ineficaz no pós-operatório pode levar à não adesão do paciente às recomendações, ao agravamento de quadros clínicos e, muitas vezes, a processos judiciais. Conforme aponta Souza et al. (2023), pacientes bem orientados apresentam menor índice de complicações pós-operatórias e maior adesão ao retorno clínico. A clareza sobre o que é esperado no pós-operatório — incluindo dor, edema, limitações alimentares e efeitos medicamentosos — evita mal-entendidos e expectativas irreais.
Além disso, segundo o artigo "O consentimento informado na odontologia" publicado na Revista Bioética, o Código de Ética Odontológica exige que o paciente seja devidamente esclarecido sobre os riscos, benefícios e alternativas ao tratamento (RODRIGUES et al., 2018). Isso inclui o pós-operatório, especialmente em cirurgias invasivas.

2. Tecnologia como aliada no suporte e na rastreabilidade
O uso de ferramentas digitais permite expandir e reforçar os cuidados com o paciente mesmo após a alta, o dentista não precisa mais se restringir ao modelo impresso de instruções genéricas pós-operatórias. Aplicativos de gestão clínica com envio automatizado de instruções, plataformas de telemonitoramento e vídeos personalizados são alguns exemplos.
Por exemplo, o uso de vídeos curtos explicativos gravados pelo próprio dentista pode melhorar significativamente a compreensão do paciente. Estudo de Cunha et al. (2022), publicado na Research, Society and Development, mostra que vídeos orientativos aumentam em até 40% a retenção de informações pós-operatórias em comparação com folhetos impressos.
Além disso, o uso de prontuário eletrônico e plataformas de teleodontologia permite a documentação segura das interações, com data, hora e conteúdo registrado — fator que fortalece a defesa jurídica em caso de litígio (FERNANDES, 2023). A odontologia digital, como destaca o portal Odontologia News (2023), não é apenas uma tendência, mas uma ferramenta concreta de ampliação do cuidado e da segurança.
Esses recursos, além de reforçarem o vínculo com o paciente, fornecem rastreabilidade e documentação — elementos centrais na prevenção de conflitos judiciais.

3. A documentação como ferramenta de proteção jurídica
A judicialização da odontologia é uma realidade crescente. Segundo dados do Conselho Federal de Odontologia (CFO), cerca de 15% das denúncias recebidas estão relacionadas à má comunicação ou ausência de esclarecimentos adequados ao paciente.
A proteção do profissional está na comprovação de que houve orientação, o que exige registros detalhados: consentimentos informados, planos de tratamento assinados, evolução clínica diária e, sempre que possível, termos de orientação pós-operatória com assinatura ou aceitação digital.
A odontolegista Juliana Fernandes (2023) afirma que “o dentista não pode depender apenas da palavra do paciente ou de sua própria lembrança; o prontuário bem preenchido é o principal elemento de defesa”.
Em um cenário onde o número de ações judiciais contra profissionais de saúde vem aumentando, o cirurgião-dentista precisa não apenas fazer o correto, mas comprovar que fez. Ter registros documentados, consentimentos informados digitalizados, e interações de orientação armazenadas pode ser decisivo em uma eventual contestação legal.
Além disso, o uso da tecnologia não substitui, mas complementa a escuta ativa, a atenção às dúvidas do paciente e o acolhimento humanizado. A confiança nasce do cuidado e da clareza.

A prática da odontologia moderna exige mais do que excelência técnica: requer habilidades de comunicação, domínio de tecnologias e atenção às obrigações éticas e legais. Em grandes procedimentos orofaciais, orientar com clareza, utilizar ferramentas digitais e manter registros completos são práticas que protegem o paciente — e também o profissional.

Referências
CUNHA, J. M. et al. Gerenciamento da dor pós-operatória em cirurgias odontológicas: uma revisão de literatura. Research, Society and Development, v. 11, n. 3, p. e4862911923, 2022. Disponível em: https://rsdjournal.org/rsd/article/view/48629
FERNANDES, J. Odontologia legal: como proteger sua clínica e sua carreira. Clinicorp, 2023. Disponível em: https://www.clinicorp.com/post/odontologia-legal-juliana-fernandes
RODRIGUES, P. H. et al. Consentimento informado na odontologia: aspectos éticos e legais. Revista Bioética, v. 26, n. 3, p. 411–418, 2018. Disponível em: https://www.scielo.br/j/bioet/a/RqVkjy6RBk7WQpNLXmXFVcJ
SOUZA, L. F. et al. A importância da comunicação entre cirurgião-dentista e paciente na prevenção de litígios. Revista de Odontologia Legal, 2023.
ODONTOLOGIA NEWS. Odontologia Digital: como as inovações estão mudando o atendimento clínico. 2023. Disponível em: https://www.odontologianews.com.br/blog/2023/06/29/odontologia-digital-futuro
CONSELHO FEDERAL DE ODONTOLOGIA. Relatório de Fiscalizações e Ética. CFO, 2022.