Por que a odontologia ainda “inova pouco” e como podemos mudar isso?


A odontologia, apesar de sua relevância social e impacto direto na qualidade de vida das pessoas, ainda avança timidamente no campo da inovação. Em um mundo onde algoritmos já colaboram com diagnósticos médicos, tecidos podem ser impressos em 3D e a inteligência artificial revoluciona a experiência do paciente, a odontologia segue, em muitos aspectos, presa a modelos e práticas do século passado. Essa constatação não é uma crítica isolada — é um convite à análise profunda de onde estamos e para onde queremos ir como comunidade acadêmica e profissional.
Um dos grandes entraves para a inovação na odontologia é a visão fragmentada da própria profissão. Em muitas instituições, há uma forte separação entre ensino, pesquisa e mercado. O aluno aprende procedimentos, o professor publica artigos, e o mercado desenvolve soluções — quase sempre de forma desconectada. Essa compartimentalização impede que o conhecimento circule com fluidez e se transforme em soluções práticas. Inovar exige integração entre esses mundos. E mais do que isso: exige propósito comum.
Além disso, a odontologia tem uma relação delicada com o risco. Inovar pressupõe testar, falhar, corrigir, escalar. No entanto, o ambiente acadêmico — por vezes engessado por normas e avesso à experimentação — tende a valorizar mais a estabilidade do que a disrupção. O mesmo vale para muitos profissionais já estabelecidos, que enxergam a inovação como uma ameaça à sua prática tradicional, e não como uma oportunidade de crescimento e reinvenção. Nesse cenário, a zona de conforto se disfarça de tradição.
Também é preciso reconhecer que a inovação exige novas linguagens. Não basta saber realizar uma cirurgia complexa: é preciso dialogar com engenheiros, entender fundamentos de programação, pensar em modelos de negócios sustentáveis, trabalhar com dados e desenvolver uma mentalidade voltada à experiência do paciente. Essas habilidades raramente são ensinadas nas faculdades de odontologia. A ausência de uma formação transdisciplinar limita a capacidade do cirurgião-dentista de participar ativamente das soluções do futuro.
A boa notícia é que a mudança já começou. Startups odontológicas, projetos de biotecnologia, clínicas-modelo com fluxo digital completo, comunidades interdisciplinares de ensino e empreendedorismo estão surgindo em todo o Brasil. São movimentos ainda pequenos, mas consistentes, que mostram que é possível fazer diferente — e melhor. Cabe à academia abraçar esse movimento, não como coadjuvante, mas como protagonista. Isso significa revisar currículos, incentivar docentes inovadores e investir em ambientes de experimentação dentro das próprias instituições.
Inovar na odontologia não é apenas uma necessidade mercadológica: é uma responsabilidade social. Significa ampliar o acesso, melhorar a eficiência, personalizar o cuidado e, acima de tudo, devolver à profissão o dinamismo que ela merece. O futuro da odontologia não será escrito apenas com resinas e brocas, mas com dados, colaboração e ousadia intelectual. Estamos preparados para liderar essa transformação — ou seremos apenas espectadores dela?
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